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Como adquirir soluções digitais?

Eduardo Rocha • ago. 21, 2022

Adquirir soluções é uma necessidade óbvia para projetos de transformação digital. Mas quais são os cuidados que precisam ser tomados?

Todo mundo fala em transformação digital e indústria 4.0. São realmente tendências inescapáveis. A escolha e a contratação das soluções digitais necessárias para construir este mundo parece uma atividade corriqueira e simples. Mas será que este tipo de compra é realmente livre de riscos?


A digitalização das empresas é um fenômeno relativamente recente, do ponto de vista histórico. Os mais jovens podem não acreditar nesta história, mas até meados da década de 1990 os computadores eram uma ferramenta que os profissionais não usavam o tempo todo - imagine que havia uma sala com PCs que você agendaria para usos específicos, e muita coisa você fazia no mundo físico. Mais ou menos na segunda metade daquela década, as empresas passaram a equipar seus funcionários com computadores, ainda os desktops, inicialmente em áreas técnicas ou nas áreas em que as primeiras aplicações estavam disponíveis, como sistemas não integrados para finanças, vendas e gestão de estoque. O correio eletrônico foi talvez a aplicação que provocou a escalada dos computadores nas empresas, e transformou até nossa definição do que é trabalho administrativo ou intelectual. E mais e mais aplicativos foram se incorporando ao trabalho de todos.


Naquela época, instalar um software era uma atividade complicada: eles vinham em uma caixa que continha disquetes (mais tarde, CD-ROMs), a licença e os diversos manuais. Cada caixa tinha o tamanho de um livro grande. Cada cópia de um aplicativo como o Excel tinha uma caixa dessas, e você pode imaginar os diversos problemas: onde guardar estas caixas? Como prevenir cópias ilegais? Como atualizar as versões dos vários softwares? A Internet veio e resolveu alguns destes problemas: o software passou a ser baixado e a licença passou a ser virtual, por exemplo. Mas não todos: a instalação deveria ser feita por um administrador e ainda poderia levar bastante tempo. 


A situação foi evoluindo até os software como serviço (SaaS), que hoje são dominantes, e que fazem com que esta realidade seja até risível. Não há mais instalação e o onboarding de um novo empregado é tão simples como habilitar mais um usuário. Além disso, em vez de uma compra de um objeto, a contratação de um SaaS é uma negociação de aspectos como funcionalidade, período de utilização e número de usuários. As atualizações de versão, por exemplo, passaram a ser algo quase invisível. 


Mas será que a contratação de um software tornou-se realmente algo tão simples assim? Alguns problemas existem desde a época em que os software vinham em caixas, e outros foram criados quando os produtos se transformaram em serviços. Então o usuário toma contato com um aplicativo que resolve exatamente o problema dele, e decide contratá-lo. Quais são as consequências e riscos?


Os problemas podem ser grandes. Instituições como o CISQ (Consortium for Information & Software Quality), associado à Universidade Carnegie Mellon, tem trabalhado na sensibilização e divulgação de boas práticas para produtores e usuários de software. O CISQ publica regularmente o relatório “Cost of Poor Quality Software in the US”, que em sua edição referente a 2020 estimou o custo anual em mais de 2 trilhões de dólares, apenas para os Estados Unidos. Sem considerar outros 1,31 trilhões de dólares em custos estimados para a correção, a serem investidos posteriormente. São falhas de programação ou configuração que deixaram aviões e trens parados, provocaram vazamentos de informações confidenciais, impossibilitaram o acesso a contas bancárias, causaram acidentes e deixaram vulnerabilidades exploradas por criminosos e muitos outros problemas, numa vida que não funciona mais sem software. 



A capacitação técnica do software


O primeiro ponto é a qualidade técnica. É fácil presumir que os software à venda foram programados usando as boas técnicas e que suas qualidades e funcionalidades atendem o esperado. Quando os softwares eram produtos, esta presunção era mais próxima da realidade, porque os custos de outros aspectos do produto eram muito significativos (como a produção das mídias e dos manuais, a logística de distribuição e o marketing numa época pré-internet). Realmente seria difícil imaginar que alguém investisse nestas coisas sem que na base houvesse um produto sólido e de qualidade. Estes custos extras praticamente desapareceram, e é possível, pelo menos teoricamente, que produtos problemáticos sejam oferecidos sem ter passado pelos devidos cuidados. Um exemplo dramático disso foi o Quadriga CX, empresa, site e SaaS provavelmente construídos para um golpe aplicado a investidores de criptomoedas no Canadá.


Mas há problemas potenciais que podem ser causados por empresas bem intencionadas - quais são as vulnerabilidades acidentais que poderiam ser exploradas por hackers? As integrações do aplicativo com o ERP transformariam estas vulnerabilidades em uma porta de entrada muito mais crítica? Por todas estas questões, há um crescente movimento por transparência nas práticas e métodos utilizados pelos produtores de software, através de certificações e audits. Não é raro que uma RFP (request for proposal) que uma grande multinacional emite para o mercado seja um documento quase tão extenso e detalhado quanto um pequeno livro.



Os riscos legais


Que atire a primeira pedra a pessoa que lê todas as páginas dos termos legais que aparecem quando você está instalando um aplicativo no seu smartphone. Para uma empresa, por outro lado, esta é uma necessidade - não apenas ler os termos, mas entender os riscos, que podem ser diferentes de acordo com a operação da empresa, o local de uso do software e a origem do produtor, entre diversos parâmetros.


Os dados pessoais serão tratados de acordo com a LGPD, por exemplo? Embora este tipo de legislação exista em vários países e tenha alguns elementos comuns, há diferenças que podem criar riscos, por exemplo relacionadas à localização dos servidores onde os dados serão armazenados, e seu enquadramento em relação a acordos internacionais. A sede da empresa que receberá o pagamento fica em um paraíso fiscal? Sua empresa está integrada a uma cadeia de suprimentos que atende a um governo de outro país? Suas matérias-primas ou produtos são controlados por serem de interesse do narcotráfico ou usados para a produção de armamentos? Estas e muitas outras perguntas precisam ser consideradas em qualquer relação comercial, e a contratação de um SaaS não é necessariamente uma exceção.


Para organizações multinacionais, a participação efetiva das áreas jurídicas é uma necessidade na homologação e autorização de uso. É possível que um pequeno aplicativo não traga  consequências, mas isso não pode ser presumido e deve ser verificado. E a dificuldade adicional é que a situação é contra-intuitiva. Um SaaS com um custo de alguns dólares por mês pode expor uma empresa a penalidades proporcionais ao seu faturamento, ou no limite até causar a perda da capacidade de atuar em determinados mercados.



Os impactos na colaboração das equipes e o alinhamento com a estratégia


Existem no mercado muitas soluções diferentes para resolver os problemas das empresas. Sistemas especializados ou integrados, de fornecedores tradicionais ou de pequenas startups. Com o baixo investimento inicial destas soluções e um poder de decisão mais descentralizado, não é incomum que uma grande empresa acabe utilizando várias soluções para a mesma coisa. A redundância cria vários problemas. Além do fato de que a melhor solução não está sendo adotada pela empresa toda, os riscos técnicos e legais se multiplicam, as equipes usarão processos e práticas diferentes e não otimizados, o compartilhamento de informações será mais trabalhoso e será muito difícil ter uma visão completa e integrada sobre os processos e sistemas em uso. 


O relacionamento com os fornecedores de SaaS também não é otimizado, e situações como fusões e aquisições perdem muito em agilidade e podem transformar-se em um inferno de pequenas coisas. E resolver isso não é fácil: imagine a briga entre setores da empresa para que a “sua” solução seja a escolhida num processo de simplificação. Inevitavelmente, alguma perda de produtividade ocorrerá durante a transição.


E se a definição da estratégia de uma transformação digital é um ponto chave para as empresas, a energia desperdiçada e os avanços desconexos resultarão em menor velocidade. E isso pode ser crítico, se chegar até o relacionamento com clientes e outros stakeholders.



Os impactos econômicos


Do ponto de vista econômico, os SaaS por assinatura parecem uma relação ganha-ganha. Os fornecedores passam a ter uma renda recorrente e mais previsível, enquanto os clientes passam a ter acesso à solução por um pequeno investimento inicial, podendo deixar de usar o serviço se ele não for mais necessário. Mas quem controla tudo isso? A licença para o usuário custa alguns dólares por mês, mas este custo é conceitualmente enorme se ele não utiliza a solução ou se já deixou a empresa. Na prática, controlar as licenças é uma atividade tão importante quanto difícil, e em grandes empresas é comum chegar a um montante significativo de dinheiro desperdiçado em licenças desnecessárias. Somado à questão das soluções duplicadas, o problema das assinaturas inúteis é como um vazamento que ninguém enxerga, e portanto não é corrigido.



O que fazer, numa situação em que qualquer usuário pode tomar uma decisão de risco?


O primeiro ponto é entender porque o problema não é visível. Todos estes problemas podem ocorrer de forma oculta, porque áreas corporativas como TI, Compras ou Jurídico nem sempre estão envolvidas em situações em que o custo individual é muito baixo (ou até nulo, no caso das soluções freemium). Mas a escolha de uma nova solução para a empresa deve ser feita com cuidado, garantindo que os requisitos de todos os stakeholders sejam levados em consideração, assim como a opinião dos especialistas técnicos e legais. A sensibilização das equipes é importante e deve haver um processo ágil e estruturado para a avaliação das necessidades e das sugestões de aplicações. E se uma solução já existe, uma decisão precisa ser tomada: a mudança para uma solução nova é prioritária, ou mesmo positiva?


Se você não sabe como estes problemas podem estar afetando sua empresa, ou se você já está preocupado com isso,
fale conosco. Nós podemos encontrar consultores especializados para ajudá-lo, e temos uma solução para garantir que as opiniões e requisitos de todos os stakeholders e especialistas sejam consideradas para todos os seus projetos digitais.


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Eduardo Rocha já viveu experiências em compras das mais variadas categorias, no mundo todo, e acha que poucas se comparam com as compras de soluções digitais quanto à complexidade e à falta de sensibilidade das equipes para os riscos associados. Mas acha que o problema pode ser resolvido. É fundador da Zinneke, que tem parceria com soluções e consultores que podem ajudá-lo.



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Marvin Meyer on Unsplash. Thanks!


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