O que é melhor? Um contrato CLT ou um contrato PJ? Não passa uma semana sem que eu veja alguém fazendo essa pergunta no LinkedIn, ou refletindo sobre as diferenças, vantagens e desvantagens de cada um deles.
Se você é um profissional gerenciando sua carreira, a questão é mais do que pertinente. Um contrato CLT significa ter acesso a alguns benefícios trabalhistas, a uma estabilidade na relação contratual, e muito particularmente, a uma estabilidade na demanda de trabalho e na remuneração. Um contrato PJ, por outro lado, implica em uma maior liberdade de horário e local de trabalho, numa necessidade de empreender e buscar clientes do serviço que você presta, na possibilidade de dedicar-se a diferentes projetos e interesses, e numa maior incerteza da remuneração, além de custos de administração e contabilidade. São dois mundos diferentes, e refletir sobre eles como duas alternativas de carreira faz todo o sentido. A vida profissional está cheia de escolhas: empresas públicas ou privadas, grandes ou pequenas, maduras ou startups, carreiras generalistas ou especializações, atividades técnicas ou gerenciais, e a lista continua.
A coisa muda de figura se a pergunta é feita por uma empresa. Para uma empresa, a escolha de um modelo ou de outro não se limita a uma questão de preferência ou de uma comparação de custos, pontos em que estão focadas muitas destas discussões no LinkedIn. Embora uma tarefa (ou um conjunto delas) possa fazer parte de uma descrição de cargo ou, alternativamente, de um escopo de prestação de serviços, a organização é completamente diferente num caso ou no outro. O objetivo deste artigo é debater estes aspectos do ponto de vista de uma empresa, falar dos riscos e de como administrá-los.
Os negócios precisam adaptar-se e mudar de rumo muito mais rapidamente hoje do que nunca antes na história. As novas gerações têm preferido relações mais dinâmicas, e os mais experientes precisarão ter atividades produtivas por muito mais tempo que a duração de um emprego clássico. Nas empresas, as competências que devem ser internalizadas são cada vez mais estritas e focadas.
Uma resposta a estas tendências tem sido a organização por projetos e missões, mais fluida e adaptável, para tudo que não for “core” para o negócio. Se no passado as empresas contavam com departamentos para lidar com estas necessidades mais pontuais, atualmente estes recursos serão localizados e acionados “on-demand”.
E se nos anos 90 a definição do que podia ser terceirizado ou não era muito mais clara, hoje estão muito mais difíceis de enxergar as fronteiras do que deve ser confiado a profissionais externos à empresa.
Esta mudança do mercado foi acompanhada pela evolução da legislação no mundo todo. Mesmo no Brasil, a reforma trabalhista de 2017 trouxe flexibilizações mais adaptadas às novas relações de trabalho. Mas está profundamente errado quem acha que são página virada as discussões em torno do que pode ou não ser feito nestas relações. Mesmo países em que a legislação é mais liberal definem claramente que é um delito contratar um trabalhador de forma ilegal, então é importante saber o que pode ou não pode ser feito.
Meus amigos advogados me ensinaram que se os requisitos do vínculo empregatício estiverem presentes na relação, as partes não podem optar por uma modalidade que não seja o contrato de trabalho, mesmo que um outro modelo pareça mais conveniente. Dito de outro modo, uma relação que não seja regida pela legislação trabalhista só pode existir se não estiverem presentes os requisitos do vínculo: Subordinação, Pessoalidade, Habitualidade e Onerosidade. Já voltaremos a estes requisitos.
Eu me lembro das longas e complexas discussões sobre como organizar o trabalho remoto. Parecia interessante, mas como organizar o trabalho em equipe? E haveria riscos trabalhistas? Estas perguntas não tinham respostas claras e não avançávamos. Até que em Fevereiro de 2020, a coisa aconteceu de um dia para o outro, como resposta a uma das maiores crises de nossa geração. E eu duvido muito que alguém afirme que o evento não modificou em nada suas percepções sobre o trabalho, sobre a relação do trabalho com nossa vida, e até mesmo sobre a própria vida.
Uma evidência clara destas mudanças pode ser vista agora, em que o trabalho híbrido passa a ser visto como uma característica importante de atração de profissionais. E se a interação com colegas de outras áreas na hora do cafezinho ainda não tem um substituto à altura, a relação das pessoas com as empresas fica ainda mais baseada em missões, projetos e desafios, e muito menos ligada ao horário do expediente.
Em consequência disso, acreditamos que a balança vai pender cada vez mais para relações mais orientadas a projetos e contratos de prestação de serviços.
Contratar um serviço para resolver uma necessidade da sua empresa ou confiar a resolução dessa necessidade a um funcionário contratado de acordo com a CLT são duas soluções perfeitamente corretas. Mas é importante retornar aos requisitos do vínculo empregatício para concluir que é necessário redefinir a interação que a empresa terá com a pessoa ou equipe que resolverá o problema.
Começando com a
Onerosidade, que é a definição do pagamento que será feito pelo serviço. Enquanto a prestação de um serviço que pode ser regido por um contrato com pessoa jurídica é tipicamente definida pelos objetivos, pelo escopo do trabalho, a relação trabalhista é definida pelo tempo. Enquanto o pagamento pelos serviços prestados para uma PJ é função do critério de entrega do serviço definido em contrato, o pagamento de um empregado é devido pelo tempo à disposição da empresa. E o pagamento é devido mesmo que não exista nenhum trabalho a fazer.
A
Pessoalidade
é a circunstância que associa o contrato a uma única pessoa, e em um contrato CLT o trabalhador não pode delegar para outra pessoa o trabalho para o qual foi contratado. Numa relação com uma PJ, por outro lado, embora possa existir a prescrição de que determinado nível hierárquico deva participar em determinada parte dos serviços, normalmente a PJ assume a responsabilidade pela entrega mesmo que para isso precise substituir seus próprios funcionários em caso de impedimento ou ausência.
A
Habitualidade é definida pela frequência em que a pessoa atua pela empresa. Um empregado estará à disposição da empresa pelo tempo que durar o relacionamento, de forma exclusiva. Por outro lado, uma pessoa jurídica pode até atender uma empresa por longos períodos, mas tipicamente atende vários clientes diferentes.
Finalmente, a
Subordinação. Enquanto em uma relação trabalhista a hierarquia é responsável por definir as tarefas que o empregado irá executar, os recursos e ferramentas para a sua execução, e os métodos que serão utilizados, no caso de uma pessoa jurídica estes elementos são responsabilidade da própria pessoa jurídica, e não da empresa tomadora. No caso de profissionais autônomos ou consultores, eles devem atuar com autonomia e responsabilizar-se por estes elementos auxiliares.
Portanto, tudo se resume à forma como o trabalho será executado e controlado. O profissional da PJ irá responder hierarquicamente a um gerente, irá cumprir horário de trabalho, irá dedicar-se à empresa cliente e será pago por semana ou por mês? Um contrato PJ para uma relação assim seria ilegal.
Para uma empresa, os custos de contratar uma empresa para a prestação de um serviço e os custos de contratar um empregado para realizá-las internamente são muito diferentes. E o fato de que uma contração de pessoa jurídica não agrega certos custos pode levar a uma conclusão de que contratar PJs é mais barato. Mas para fazer a comparação de laranjas com bananas, é preciso calcular corretamente o custo total.
Considere por exemplo os períodos de férias e os convênios médicos. Num contrato CLT, estes benefícios são custos diretos da empresa; num contrato PJ, naturalmente estão embutidos no preço do serviço. Os impostos são muito diferentes, também.
Mas a maior dificuldade é comparar os custos de estrutura e a remuneração das horas indiretas. Um consultor autônomo, por exemplo, não vende a totalidade do seu tempo. Além de executar o trabalho de consultoria e ser remunerado por ele, há diversas outras atividades que ele precisa fazer, como prospectar negócios, atualizar-se tecnicamente e participar de seminários, cuidar da sua empresa (de atividades de marketing até pagamento de fornecedores). Isso significa que a base vendável é menor e precisa ser considerada no valor da hora teórica. Uma mesma remuneração anual será dividida por menos horas - a rigor, empregados via CLT também tem horas em que o trabalho não está sendo executado, mas a diferença fundamental é que neste caso, quem controla e otimiza estas horas é a empresa, não o empregado. Como regra geral, se a empresa está pagando a um autônomo um custo horário similar ao de um empregado contratado pela CLT, a remuneração líquida final do autônomo é muito mais baixa e potencialmente não é justa.
Você precisa de um profissional que prefere um contrato PJ porque ele pretende atender outros clientes nas horas vagas. Ou você não tem autorização para criar um novo posto de trabalho, enquanto o valor do contrato está dentro da sua alçada. Ou, ainda, o profissional aceita uma remuneração bem mais baixa (que para ele é melhor do que renda nenhuma). Ele integra uma área com um time de 5 funcionários e 4 terceiros, que dividem o trabalho da área. A pessoa começa a trabalhar normalmente, participa das reuniões com os demais, está contente com o “líder”, e os resultados estão sendo alcançados. O que pode dar errado?
Ninguém briga antes que a briga comece. O profissional pode descobrir que a remuneração dos empregados internos e dos outros terceiros é muito superior à dele, todos fazendo a mesma atividade. Ou descobre que o trabalho exige muitas horas extras (que não são remuneradas) e o tempo para atender outros clientes desapareceu. E parte para a outra, e o projeto de que cuidava sofre uma interrupção.
Em vez de sair, o profissional pode continuar, e depois de algum tempo as insatisfações vão se acumulando. Ou, então, tem um problema grave de saúde e descobre-se desamparado. Ou, ainda, vem a falecer num acidente e quem está desamparada é a sua família.
A empresa é acionada na justiça. O gerente que fez a contratação já deixou a empresa. O jurídico calcula a provisão para o processo e o gerente atual, que nem conheceu a pessoa, não tem espaço no budget. Ele mostra o rombo para o diretor, recém nomeado, que conversa com o jurídico. Na reunião seguinte do comitê executivo, o diretor jurídico mostra o número de processos em andamento, com um impacto maior do que os processos de ex-funcionários, e o diretor de RH afirma que nunca tinha sido envolvido. O diretor de compras mostra o gasto total da empresa de terceirização e da plataforma de conexão com free-lancers. Um silêncio constrangedor domina a sala de reuniões, alguns olhando para o teto, outros para o presidente. Que decide: até o final da semana, todos os contratos deste tipo precisam ser encerrados. Do seu lado esquerdo, um diretor fala baixinho que isso vai atrasar o lançamento do novo produto. Novo silêncio constrangedor. Enquanto isso, um amigo da família faz um post no LinkedIn em que sua empresa é a vilã.
A história acima é infelizmente mais comum do que se supõe. E não aconteceria se a correta avaliação de riscos tivesse sido feita, se o advogado da empresa tivesse sido envolvido e a ele tivesse sido dito como o profissional iria prestar seu serviço para a empresa.
Procurar ajuda profissional em casos assim é muito importante, o que me lembra de alertar que este artigo não foi escrito por um advogado e portanto não deve ser tomado por uma recomendação jurídica. É apenas um alerta gerencial sobre alguns aspectos frequentemente esquecidos da legislação que afeta a gestão dos negócios.
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Eduardo Rocha acredita que a evolução do mercado de trabalho deve ter respostas éticas e responsáveis. O respeito às pessoas não pode ser apenas um discurso das empresas. Fundou a Zinneke com o propósito de facilitar a relação entre consultores independentes e empresas dentro dos melhores princípios de governança.
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