Priscila formou-se em engenharia com uma ideia fixa: trabalhar em projetos em que pudesse reduzir o consumo de energia e utilizar fontes renováveis e mais limpas. Este era um tema frequente durante as refeições da família: João Paulo, pai de Priscila e também engenheiro, havia trabalhado a vida toda na gestão de energia em grandes empresas - projetos e operação de centrais de utilidades, compras de energia elétrica e gás natural, projetos de co-geração. Pai e filha discordam em vários assuntos, mas o tema da eficiência energética é uma paixão comum aos dois.
Quando João Paulo começou a atuar na área, o mundo ainda vivia as consequências da primeira crise do petróleo, ocorrida na década de 1970. Liderada pelos árabes, a OPEP começou a manipular a oferta de petróleo, e os preços explodiram. O choque não foi apenas nos preços: foi também um choque de realidade e de consciência sobre o uso da energia. A melhoria da eficiência na geração, distribuição e uso de energia passou a ser uma prioridade dos negócios, especialmente nas grandes empresas. João Paulo, então recém formado, foi contratado para um departamento focado em impulsionar iniciativas internas para melhorar a eficiência energética, cuja motivação era puramente econômica: redução de custos para aumento da rentabilidade.
Departamentos assim foram criados em diversas empresas. Algumas já estavam interessadas em buscar novas fontes de energia, uma vez que as reservas conhecidas de petróleo eram estimadas para terminar em cerca de 40 anos, o que gerou a perspectiva de uma escassez mundial num prazo relativamente curto. Na prática, isto não se confirmou, devido especialmente à descoberta de novas reservas mundiais e ao aumento do uso de outras fontes para geração de energia, como por exemplo o bem sucedido Proálcool no Brasil.
Motivado em usar na prática os conhecimentos aprendidos na faculdade, João Paulo identificava e defendia projetos de melhorias de eficiência energética. Os slides apresentados em um retroprojetor não tinham o impacto visual de um Power Point, mas argumentos puramente técnicos e os benefícios economicos frente aos altos preços da energia eram suficientes na época para aprovar projetos. Muitos foram realizados, mas nem todos: a migração para fontes alternativas de energia nem sempre era viável, devido ao alto custo tecnológico da época, e faltavam argumentos para João Paulo ver outros bons e sustentáveis projetos aprovados.
Com o passar dos anos, a OPEP se deu conta de que pressionar os preços via restrição da oferta era uma tática que tinha limites. Estrangular os clientes os levava a reduzir o consumo e buscar outras fontes energéticas. Com isso os preços do petróleo e da energia se estabilizaram num novo patamar entre as décadas de 1980 e 1990. Ao longo do tempo, os preços seguiram com alguma volatilidade devido a diversas crises pontuais, especialmente pelas questões geopolíticas, sempre complicadas no Oriente Médio.
O tema da eficiência energética deixou de ser uma prioridade por si só, e passou a ser parte dos chamados Programas de Qualidade, que revolucionaram a gestão das corporações em todo o mundo. A referência era o modelo de gestão japonês de manufatura, revendo conceitos e derrubando paradigmas do modelo de gestão que vinha sendo adotado desde a revolução industrial: taylorismo e produção em série não eram mais técnicas suficientes para enfrentar os produtos manufaturados japoneses. Gigantes da indústria americana de manufatura, como Ford, General Motors e Chrysler enfrentavam a concorrência dos veículos japoneses, muito mais competitivos que os produzidos nos Estados Unidos. Eles tinham menores custos de produção, preços de venda menores, um nível de qualidade muito superior e eram mais alinhados com as expectativas dos clientes: menor consumo de combustível, inclusive.
O foco de João Paulo não era mais propor melhorias focadas em eficiência energética, mas melhorias de qualidade como um todo. A energia fazia parte disto, mas não era mais o enfoque único e nem o mais importante. Era uma época de transição de modelo de gestão empresarial que tinha por motivação não só reduzir custos e melhorar a rentabilidade, mas principalmente satisfazer o cliente nos aspectos preço, qualidade, pontualidade, presteza, aplicação do produto, assistência pós venda... Enfim, era uma questão de sobrevivência num mundo globalizado e cada vez mais competitivo. Quem não se adaptou a estas práticas, sucumbiu em pouco tempo.
Foi mais ou menos no ano em que Priscila nasceu que as discussões e evidências sobre as mudanças climáticas aumentaram no mundo, após a memorável reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92). As boas práticas de eficiência energética ganharam outra grande motivação além da economia: a motivação ambiental (salvar o planeta), uma vez que a maior parte da energia consumida no mundo é de combustíveis fósseis, causando o efeito estufa pela emissão do CO2. A partir de então aumentou a busca de alternativas renováveis para a geração de energia, tendo como consequência um crescimento impressionante desse tipo de projeto.
João Paulo viu a oportunidade de voltar a defender a aprovação de vários projetos de eficiência energética e transição energética que não teriam sido aprovados no passado apenas pelos seus méritos econômicos. Ao longo dos anos, viu um grande aumento no interesse das novas gerações sobre o tema, até em casa, quando sua filha disse a ele que queria também ser uma engenheira, e, depois, trabalhar com energia.
Já no estágio, Priscila começou a atuar em projetos de energia: geração de energia elétrica a partir do bagaço em usinas de álcool. E quando se formou, foi contratada por uma consultoria de projetos de transição energética. A abordagem é bem diferente da que seu pai usava no início da própria carreira: além da questão econômica, esses projetos passaram a ter também em favor deles os impactos positivos ambientais e de sustentabilidade que podem suplantar as motivações meramente econômicas. Projetos assim trazem também benefícios para a imagem da empresa junto aos stakeholders. E a evolução das tecnologias tem reduzido significativamente os custos dos projetos.
O assunto do último almoço de domingo em que Priscila estava na casa dos pais foi a crise mundial que estamos vivendo, com aumento de preços do petróleo e gás. A triste guerra da Ucrânia é mais um ingrediente de incertezas que impacta o mundo todo, causando inflação e impactos econômicos numa situação que nem havia ainda se recuperado dos efeitos da Covid. Mas o cenário é muito diferente das crises do passado: a dependência do petróleo é muito menor, e há uma consciência muito maior sobre a importância do uso racional da energia, e maior busca de geração de energia “mais limpa”, seja em soluções de transição energética entre os combustíveis fósseis (de carvão ou óleo para gás, por exemplo) seja de combustível fóssil para alternativas renováveis como biomassa, solar, ou eólica, cuja participação na matriz energética mundial não para de crescer.
Novamente estamos num cenário onde a eficiência energética volta a ser uma questão prioritária para as empresas não só do ponto de vista econômico, mas desta vez tendo outros fortes motivadores associados do ponto de vista ambiental, sustentabilidade e imagem. Pai e filha estão otimistas quanto ao empurrão que este cenário pode trazer aos projetos. Priscila sente-se motivada em trabalhar em prol da sustentabilidade, e João Paulo esperançoso que estes novos argumentos ajudarão a viabilizar bons projetos que não foram aprovados no passado.
Mas Priscila ainda não se dá por satisfeita. Conforme diversos relatos do seu pai ao longo da sua extensa experiência com programas de eficiencia energética, ela não via ações concretas que assegurassem a perenidade das ações implementadas. Normalmente as ações implementadas tinham os resultados acompanhados até o encerramento do projeto, confirmando o tempo de retorno do investimento e passando pelo audit formal de entrega do projeto. Mas após isto, não havia mais acompanhamento da apuração dos resultados e nada assegurava sua continuidade e perenidade.
Normalmente, as ações identificadas nos programas tradicionais de eficiência energética são mais focadas nos aspectos técnicos: substituição ou adaptação de equipamentos antigos de baixa eficiência, implantação de programas de manutenção preventiva em isolamento e purgadores, instalação de novos equipamentos para recuperação de calor na planta, como economizadores e pré-aquecedores. Mas o que de fato vai garantir a perenidade destas ações é a gestão focada em eficiência energética: envolvimento de todos os empregados com este objetivo (do CEO ao operador), ter indicadores pertinentes, valorizar as pessoas por ações em benefício de uma melhor eficiência energética, adotar como pauta obrigatória nas reuniões de equipe. Enfim, uma mudança de comportamento e cultural de todos envolvidos.
Como ilustra a figura abaixo, se o programa de eficiência energética se concentrar apenas nos aspectos técnicos, os resultados se degradam ao longo do tempo. Isso é uma grande má notícia, pois ao aprovar os projetos imaginamos que seus resultados serão perenes. De fato, apenas 30% dos projetos atingem seus objetivos. As razões que levam ao insucesso dos demais são principalmente humanas: 27% dos projetos falham por resistência dos empregados e 23% por falta de comprometimento da liderança com a mudança. Os 20% restantes dos projetos são insucessos causados por falta de recursos (também responsabilidade da liderança) e causas pontuais diversas.
As mudanças pelas quais as empresas passaram nas últimas décadas alteraram os aspectos concretos (melhorias técnicas, industriais, tecnológicas) mas também mudaram as pessoas (cultura, comportamento, mindset, liderança). Não é diferente quando falamos de eficiência energética.
Um programa completo de eficiência energética deve identificar oportunidades técnicas, avaliar como esse assunto é gerenciado pela equipe de operação (indicadores, procedimentos, responsabilidades, treinamento, incentivos) e como estas práticas estão incorporadas nas ações de todas as pessoas da equipe, desde a alta liderança até operador de campo. As empresas com desempenho mais alto em segurança, por exemplo, trabalham para que a consciência esteja incorporada ao comportamento de todas as pessoas, e o tema é abordado em todas reuniões de equipe, com indicadores e objetivos claros. Sem comparar a importância dos assuntos, parece que ainda estamos longe de tratar a eficiência energética com o mesmo rigor.
Obter este compromisso é o grande diferencial de uma metodologia completa para programa de diagnóstico e implementação de eficiência energética versus o foco convencional, apenas em oportunidades técnicas. Mas para isto as empresas precisam ter o apoio externo ou interno de pessoas com forte histórico em gestão eficiente de energia somado ao conhecimento técnico. Além disso, também é muito importante quantificar e valorizar o impacto ambiental positivo do programa, como por exemplo: a otimização do uso da água, as reduções de emissões de CO2, as reduções de emissões de poluentes. E identificar oportunidades para transformar esses benefícios em valor real para a empresa (financeiro, sustentabilidade, imagem).
Quando Priscila comenta com o pai os tipos de oportunidades que ela encontra nas empresas, João Paulo observa que o tema eficiência energética não é novo, mas na maioria das empresas há ainda diversas oportunidades de melhorias técnicas a implementar. São as chamadas “frutas baixas” que podem ser mais facilmente implementadas, sem necessidades de investimento ou com investimentos de retorno rápido, e com impacto positivo na otimização energética e nos resultados de curto prazo de um programa lançado agora. Quanto às práticas de gestão de energia, normalmente a lacuna é ainda mais profunda, com carência de boas práticas de gestão pondo em risco a perenidade dos projetos implementados.
Um programa completo de eficiência energética com potencial para transformar o desempenho da planta começa om um diagnóstico e com algumas perguntas chaves e um tanto provocativas :
• Existem indicadores claros e úteis para que a equipe operacional tome as decisões corretas nas operações do dia-dia, buscando a otimização energética ?
• Existe algum tipo de valorização das pessoas pelos bons resultados individuais ou de grupo na melhoria de eficiência energética?
• Existem indicadores gerenciais (KPIs) para que a liderança acompanhe os resultados de eficiência energética?
• A gestão da eficiência energética tem a mesma importância que outras questões industriais, como a produção, a confiabilidade operacional (OEE), ou o controle de custos?
Apaixonados pelo assunto, Priscila e João Paulo concordam em um ponto: promover a implementação correta de melhorias técnicas e boas práticas de eficiência energética é uma boa forma de tornar as empresas mais perenes, e contribuir para o uso racional dos recursos naturais. O Planeta agradece. Fale conosco.
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Sergio D'Amore é consultor nas áreas de energia e sustentabilidade, focado em projetos de energia renovável, eficiência energética e redução de emissões de gases de efeito estufa. Como nosso personagem João Paulo, tem grande experiência na área, no Brasil e no Exterior. E como Priscila, está extremamente motivado pela oportunidade de ajudar sua empresa a ter um programa de eficiência energética sustentável e perene, e acelerar sua transição energética.
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