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O que o Xadrez pode ensinar sobre estratégia (e que meu avô não me contou)

Eduardo Rocha • mai. 24, 2022

O Xadrez é usado quase como um sinônimo para estratégia. Mas quais são os paralelos entre o jogo e os negócios?


Eu aprendi a jogar Xadrez com meu avô, quando era muito novo. Para jogar com ele, eu sabia apenas os movimentos das peças. Ele era um jogador intuitivo, que nunca havia estudado o jogo. Quando fiquei um pouco mais velho e descobri que para ser um jogador razoável era necessário estudar muito, perdi o interesse. Eu sempre gostei de estudar, mas achava que tanto estudo iria acabar com a arte e a magia. E principalmente, com a diversão. Continuei jogando raramente, de forma intuitiva como meu avô.


Não faz muito tempo, descobri o que a tecnologia trouxe ao Xadrez. Não falo das famosas partidas entre Kasparov e o Deep Blue, mas da possibilidade de jogar com um adversário mais ou menos do seu nível, que vive em algum outro lugar do mundo. E se você prefere jogar sozinho (e ninguém mais vai ver os seus erros), pode jogar contra o computador e ir ajustando o nível de dificuldade à medida em que você melhora.


Eu agora jogo com frequência, e observo como o Xadrez reflete vários comportamentos, nos negócios e na vida. 



Não tem jeito: você vai precisar estudar, e continuar estudando.


Os jogadores de Xadrez de alto nível tem uma rotina de estudos e de aprendizado que não termina nunca, nem mesmo para aqueles que atingem o nível de Grande Mestre. Saber movimentar as peças e conhecer as demais regras do jogo, como meu avô me ensinou, apenas tira você da estaca zero. Depois de estudar estratégia, táticas, as fases do jogo, os tipos de abertura, as variantes, as partidas históricas, e o estilo dos seus adversários, você terá que jogar, jogar e jogar. E estudar também suas próprias partidas, entendendo onde poderia evoluir.


A boa notícia é que a cada passo você faz novas descobertas, que abrem novas portas e deixam o jogo cada vez mais interessante. E o impacto da tecnologia é impressionante, tornando acessíveis estas informações para qualquer um que se interesse.



Quem joga com as brancas começa com uma vantagem


Quando eu jogava com meu avô a escolha da cor das peças era, para mim, mais uma questão estética. Eu gostava de jogar com as pretas, adorava o brilho que transformava as peças em pequenas obras de arte. Mas como as brancas têm o direito do primeiro movimento, está bem estabelecido que começam o jogo com vantagem. Estão sempre um passo à frente na luta pelo domínio do centro e pelo desenvolvimento de suas peças, as questões importantes do início do jogo. As pretas precisam primeiro equilibrar o jogo, e depois construir uma vantagem. Este efeito fica claro olhando as estatísticas do dinamarquês Magnus Carlsen, atual campeão mundial. Jogando com as brancas, ele ganha em 51% das partidas, e perde em 15% outras. Quando joga com as pretas, ganha 36% e perde 13%. Não é diferente no seu negócio: ainda que sua proposta seja a melhor do mundo, quem está estabelecido joga com as brancas.



As possibilidades são infinitas, mas você pode limitar (um pouco) o que pode acontecer


As 32 peças podem realizar nas 64 casas uma variedade de movimentos gigantesca. Isso já foi estimado em 10 elevado a 43. Impossível que qualquer jogador domine isso tudo, mas felizmente há modos de limitar um pouco este universo. Os jogadores de alto nível estudam as aberturas, que são sequências de lances que levam o jogo a determinadas posições. É justamente a luta que se estabelece entre as brancas e as pretas em tentar conseguir uma vantagem, ainda que pequena. O número de aberturas e variantes ainda é enorme, mas o jogador pode escolher algumas delas para compor seu repertório, e estudá-las a fundo. E, como nos negócios, os melhores jogadores são aqueles capazes de definir um repertório que seja amplo e diverso, mas ao mesmo tempo profundo. E há os especialistas, que conseguem seu sucesso quando a partida acontece nas posições em que escolheram se aprofundar.


Seu adversário também tem uma estratégia


Você encontrou uma sequência de movimentos que vai conduzi-lo à vitória. Você está animado, orgulhoso do próprio talento criativo, e quer executar sua tática o mais rapidamente possível. A cada variante que você calcula, antevendo os movimentos do adversário, fica mais confiante. Aí você relaxa, faz os cálculos com menos rigor ou exclui à priori algumas variantes. E começa a execução. Na segunda ou terceira jogada, o adversário faz um movimento que você não considerou. Se você estiver com sorte, apenas perdeu seu ataque. Mas pode ser que você perca uma peça importante que você esqueceu pendurada, ou descubra, assombrado, que o seu adversário pensou numa estratégia para te aplicar um xeque-mate ainda mais rápido. Este é um clássico, no Xadrez e nos negócios…


Nem tudo é lógica (pelo menos, não em um primeiro momento)


O fato de que os computadores tenham sido muito bem adaptados ao jogo de Xadrez pode nos fazer pensar que o Xadrez é um jogo puramente lógico. Não deixa de ser verdade, a tal ponto que usar computadores em jogos é uma trapaça equivalente a atuar sob doping. Sim, há lógica em quase tudo e cada jogador decide pensando no melhor resultado para si. A questão é que o interesse de um dado movimento pode ser quase invisível para o adversário. Tão invisível que aquele movimento pode te parecer quase irracional. Descobrir o interesse encontrado por outra maneira de enxergar o jogo te obriga a pensar com a cabeça do outro - o que só é divertido para quem gosta de fazer isso.


Sacrifícios (“a cada escolha, uma renúncia”)


Fazer escolhas está entre os aspectos mais importantes dos negócios. Para ter um resultado, você abdica de outros. Os trade-offs no Xadrez são um pouco mais dramáticos e são chamados de Sacrifícios. Seu adversário fez uma jogada que te permite capturar a dama dele? É bom pensar duas vezes e entender o que poderia ser o plano dele: algo tão bom que tenha um valor semelhante a uma dama perdida vai acabar te deixando em maus lençóis… A beleza disso é que ele pode ter errado, simplesmente. 


O adversário só fará o que você quer se isso for também o melhor para ele


Uma das táticas mais importantes do Xadrez e dos negócios consiste em conseguir que o adversário comporte-se como você gostaria que ele se comportasse. Para fazer isso você tem que criar uma situação em que o movimento que você precisa que ele faça seja também o melhor para ele. Talvez fosse mais preciso chamar isso de “menos pior”, mas o importante é: deixe uma alternativa aberta. Ou ele vai continuar procurando uma saída, até encontrar aquela que você não viu.


É diferente quando tem uma pessoa do outro lado


Os aspectos psicológicos são muito importantes e afetam muito o desempenho. Jogar com alguém de um nível muito diferente do seu, para mais ou para menos, gera ansiedades e preocupações que eu não tinha quando jogava com meu avô. O curioso é que isso acontece também no mundo online: jogar contra um adversário, ainda que ele seja só um nome, um rating e uma bandeirinha do país dele, é muito diferente do que jogar contra um computador. Por isso, além de conhecer bem o perfil do seu adversário, é ainda mais importante que você se conheça, e saiba como você se comporta frente às adversidades. Que no Xadrez, nos negócios e na vida, vão sem dúvida acontecer.


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Eduardo Rocha é fundador da Zinneke. Acha que a vida do empreendedor pode ser tão difícil quanto a do jogador de Xadrez. E até mais divertida...


#estratégia #xadrez


Photo by Carlos Esteves on Unsplash. Thanks!!


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