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Three Mile Island, você, e a gestão de crises

Eduardo Rocha • jun. 15, 2022

O acidente nuclear de Three Mile Island nos mostrou as consequências da falta de uma gestão de crises. O que isso tem a ver com seu negócio?


Three Mile Island é uma pequena ilha que se formou no Rio Susquehanna, na Pensilvânia, na represa conhecida como Lake Frederic. Em 1968 foi iniciada no local a construção de um complexo termonuclear constituído por duas unidades. A primeira unidade (TMI-1) foi concluída e começou a operar em 1974, e a TMI-2, em dezembro de 1978.


Em 28 de Março de 1979 a TMI-2 sofreu um acidente no reator nuclear - e Three Mile Island passou a ser um nome associado a acidentes de processo desastrosos, na companhia de Bhopal, Seveso ou Chernobyl. Uma sequência de falhas e erros causou a falta de refrigeração para o reator, seu aquecimento descontrolado, o derretimento parcial do núcleo e o vazamento de radiação para o meio ambiente. O acidente afetou irreversivelmente a imagem da indústria nuclear nos Estados Unidos.


O caso de Three Mile Island é bem conhecido de quem estuda segurança de processos. Uma válvula que travou em posição aberta, erros no processo de manutenção, o treinamento incompleto dos operadores (que não foram capazes de diagnosticar rapidamente o que estava ocorrendo), a sinalização incorreta da abertura de válvulas, o design da sala de controle com excesso de alarmes, o projeto do sistema de segurança que não levou em conta as fases transientes do processo. Cada uma destas falhas transformou-se em fonte de aprendizado para a segurança de unidades nucleares - mas também de muitos outros tipos de processos industriais.


O documentário “Meltdown: Three Mile Island”, lançado recentemente pela Netflix, relata o acidente por uma perspectiva diferente: o impacto nas comunidades vizinhas nos dias seguintes e também durante os trabalhos necessários após o acidente, que se estenderam por vários anos. 


O caso permite também discutir a importância da preparação para emergências e gestão de crises, elementos que no caso de Three Mile Island parecem ter sido ainda mais falhos do que os aspectos técnicos do acidente. Como preparar-se para uma crise?



  • Plano Estratégico de Segurança


Começando com a estratégia: toda operação deve ter uma boa definição dos princípios de segurança que serão adotados em todas as suas fases. Quais serão os padrões técnicos e de engenharia adotados na construção, operação e manutenção da unidade? Quais são os riscos, priorizados em uma matriz severidade x probabilidade? Qual é o nível de risco aceitável e o que deve ser feito quando uma situação ultrapassa esse nível? Como será garantido um bom diálogo com os stakeholders? 


Estas e outras perguntas devem ser respondidas desde o início e as definições estratégicas devem ser implementadas (e mantidas ao longo do tempo). No caso de Three Mile Island, estes aspectos não parecem ter sido discutidos de forma apropriada, e a organização do complexo limitava-se a cumprir os regulamentos definidos pela NRC (Nuclear Regulatory Commission, agência governamental responsável por supervisionar o licenciamento e a segurança das instalações nucleares). Em vários momentos da operação e da crise, esta falta de estratégia causou ou agravou problemas.


  • Preparação para Emergências


As instalações devem ser projetadas para minimizar a chance e a gravidade dos acidentes, mas, ao mesmo tempo, devem considerar os cenários possíveis de acidentes e preparar-se para eles. Paradoxalmente, quanto mais seguras as operações de risco forem mantidas, mais importante é preparar-se para os cenários de emergência, pois estes eventos serão muito raros e não poderemos contar com a experiência. Daí vem a necessidade de planejar como uma emergência seria tratada, e realizar exercícios simulados. Quando os problemas na TMI-2 começaram a ocorrer, os operadores não estavam treinados para reconhecer corretamente os desvios. E quando a emissão de material radioativo ocorreu, as decisões do que precisava ser feito eram tomadas no calor do momento.


Há vários aspectos importantes nesta preparação: Quais são os eventos possíveis? De acordo com a gravidade de cada um, quais são as ações a tomar? E em função disso, tudo que pode ser definido ou providenciado antecipadamente deve ser preparado. Num exemplo óbvio, não faz sentido deixar a compra de extintores para depois que o incêndio começou. Da mesma maneira, é preciso definir como será composto o comitê de crise, quem será informado, quem tem o poder de decidir. Até mesmo questões práticas são importantes: onde o comitê de crise estará reunido? Como garantir acesso a informações e comunicação? Qual a cadeia de comando, se os titulares estiverem ausentes ou impedidos?


  • Plano de abandono e exercícios simulados


No caso da TMI-2, a evacuação das comunidades vizinhas não estava preparada, e a decisão de executá-la aconteceu apenas dias depois do acidente. Nunca se soube a quantidade de radiação emitida, porque não havia um plano de medição de radioatividade que detectasse desvios. Uma operação de evacuação de um grande número de pessoas não é algo que possa ser realizado sem preparação: recursos, rotas, e a sequência em que as pessoas devem ser movimentadas fazem parte de um plano que precisa ser definido muito antes de um acidente.


Exercícios simulados são também muito importantes. Quanto tempo as pessoas levarão para deixar o prédio pela escada de emergência? As rotas de acesso estarão livres? Em quanto tempo os bombeiros chegarão até o local do acidente, e estarão equipados e prontos para iniciar o combate a um incêndio? Estas são informações que precisam ser verificadas em situações mais próximas da realidade - que serão ainda mais severas no momento do acidente do que nas simulações. E mais importante do que realizar simulados é aprender com eles.


  • Plano de comunicação de crise


Outro aspecto importante é o plano de comunicação. No caso de Three Mile Island, a comunicação foi hesitante e realizada por diferentes pessoas, sem preparo. O resultado foi dramático, pois à medida em que informações conflitantes eram transmitidas ao público, mais incertezas foram sendo geradas, até o ponto em que a população não confiava mais nos representantes da usina, na NRC ou nos políticos locais. A consequência disso é que cada informação passou a ser questionada, e a coordenação das ações ficou impossível.


A definição de um porta-voz único e treinado para a relação com a imprensa é fundamental. Esta preparação envolve até aspectos como o tom de voz, a expressão do rosto e as cores das roupas, detalhes que podem criar problemas adicionais se não houver planejamento. E é importante preparar antecipadamente materiais explicativos e respostas às perguntas mais prováveis, especialmente quando os aspectos técnicos são complexos, como é o caso de uma usina nuclear.


  • Diálogo com a comunidade


E o esforço de comunicação começa muito antes da crise, é importante que exista um diálogo construído ao longo de bastante tempo, focado em prestar as informações necessárias para que a comunidade atue como previsto, e além disso, para que se estabeleça uma relação de confiança. No caso de Three Mile Island, a comunidade só teve conhecimento dos riscos após o acidente, quando as coisas já não estavam mais sob controle.


  • Gestão, Monitoramento e Avaliação


Todos estes aspectos devem estar concatenados em um processo claro de gestão. Desde o acionamento da situação de crise até a extinção do comitê pode haver um longo período, que no caso da TMI-2 foi de vários anos, até a conclusão dos trabalhos de estabilização do reator. E o comitê de crise terá de lidar com todos os novos fatos e tomar as decisões corretas. 


  • E o que meu negócio tem a ver com uma usina nuclear ?


A esta altura você pode estar pensando que sua operação é muito menos crítica do que uma usina nuclear. É verdade, mas lembre-se de que crises podem ocorrer nos mais diversos negócios. O anticoncepcional que você produz pode ter sido liberado sem o princípio ativo. Sua casa de shows pode sofrer um incêndio e as rotas de saída podem ser insuficientes. A barragem onde há muitos anos você estoca os rejeitos de mineração pode entrar em colapso. Um aparelho de radioterapia da sua clínica pode ter sido descartado e um cilindro contendo Césio 137 pode ser usado como brinquedo. 


O que poderia dar muito errado na sua operação ?


Precisa de ajuda para identificar seus cenários de risco e preparar-se para eles? Fale com a Zinneke.


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Eduardo Rocha já participou do gerenciamento de diversas situações potenciais de crise, felizmente com preparação muito mais adequada e que não tiveram maiores consequências. É fundador da Zinneke, e acredita que estar preparado para situações que ninguém deseja é a única forma de evitar o pior.


#ESG #segurança #crise


Photo by Kilian Karger on Unsplash. Thanks!


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